Cronica: Brasil 2063

BRASIL, 2063

  O filho perdera o foguete das sete para o colégio e passara o dia inteiro em casa, chateando. Agora pedia para ir brincar um pouco lá fora, antes do jantar, e a jovem senhora concordou. Ajeitou a camisa de plástico anti-radioativo do garoto e recomendou: -- Mas brinque aqui mesmo na Terra, hein?! Seu pai não gosta que você atravesse a galáxia sozinho.

  Voltou para o quarto e sentou-se desanimada diante do espelho. Depois começou a passar o removedor atômico no rosto. A folhinha eletrônica em cima da mesinha marcava a data: 30 de julho de 2012. Fazia trinta anos naquele dia e se sentia uma velha, apesar de sua bela aparência. E pôs-se a pensar no presente de aniversário que o marido lhe dera: uma bonita vitrola superestereofônica tridimensional. "Não sei onde vamos parar com esses preços" -- disse para si mesma, pois sabia que o marido, pelo plano Creditex, dera dois bilhões de cruzeiros de entrada.

  Ouviu o videofone tocar e logo depois sentiu a presença do mordomo invisível no quarto. A voz respeitosamente informou que era para ela. Mandou que o empregado ligasse a tomada para o seu quarto e, enquanto sentia que ele se retirava, considerou que precisava chamar a atenção do mordomo para o bafo alcoólico que deixava no ar. Provavelmente dera outra vez para chupar dropes de uísque durante as horas de trabalho.

  Agora a voz familiar de sua amiga Mariazinha dizia "alô" e logo depois sua cara gorda aparecia no retângulo do videofone: -- Querida -- dizia ela --, eu te videofonei para dar os parabéns pelo dia de hoje.

  A outra agradeceu e ficaram a conversar sobre essas coisas que as mulheres vêm conversando há séculos sem o menor esmorecimento. De repente, a cara gorda se iluminou com um sorriso: -- Você sabe que eu descobri uma decoradora formidável e baratíssima? -- E frisou: -- Baratíssima! -- E, vendo o interesse da amiga, contou que mandara restaurar o radar da sala de jantar e que a decoradora fizera um trabalho que é um amor.

  -Me dá o endereço -- pediu a aniversariante.
  -Local X 120 HV, 985o. andar. -- E como a amiga não se lembrasse onde era o Local X 120, esclareceu: -- Antiga praça San Thiago Dantas.

  Conversaram ainda sobre problemas domésticos e Mariazinha ficou sabendo que a amiga estava sem cozinheira.

  Mandara a antiga embora, porque dera para queimar as pílulas do jantar a ponto de tornar a refeição intragável. Tanto assim que iam aproveitar o aniversário para comer fora: -- Vamos à pílula-dançante do Country. -- Isso, naturalmente, se o marido chegasse em casa cedo, o que era improvável, pois o helicóptero dele estava na oficina e, na hora do *rush*, sabe como é, esses aviadores somem e não há um helicóptero de aluguel para servir as pessoas.

  Mariazinha ainda conversou um pouquinho. Contou o escândalo da véspera, quando um deputado se desentendera com o Corbisier Neto e puxara uma pistola atômica para alvejar o político petebista. Felizmente a turma do deixa-disso impedira que o coitado fosse desintegrado no plenário. Em seguida Mariazinha se despediu.

  Desligando o videofone, voltou à sua toalete mais animada um pouco pela conversa da outra. Mariazinha era uma mulher decidida, que nunca perdia o bom humor, apesar da tragédia de que fora vítima: o marido cometera "sexídio". Tomara um remédio para virar mulher.

  E estava na sala a ler o romance de um escritor do século passado -- um clássico novecentista -- quando o marido chegou. Vinha esfalfado, com uma cara de quem fizera um esforço fora do comum.

  -Já sei que não vamos à pílula-dançante -- disse ela.
  -De jeito nenhum, minha filha -- respondeu o marido. -- Imagine que o cérebro eletrônico do escritório enguiçou e eu passei o dia inteiro pensando sozinho.

 A mulher suspirou de desânimo e murmurou chateada: -- Com esse governo que anda aí, nada funciona direito no Brasil.


Fonte: "Dois amigos e um chato", Stanislaw Ponte Preta - Coleção Veredas


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